Adágio: o compasso lento que toca a alma

“Si vis pacem para bellum”. Conhece este provérbio? Em latim, ele quer dizer: “Se queres a paz, prepara a guerra”. Na língua portuguesa, um ditado ou provérbio popular pode ser também chamado de “adágio”.

Na música, porém, tal termo tem um significado completamente diferente. Ao longo deste artigo vamos mostrar a definição musical de adágio e algumas composições classificadas com esta terminologia. Vamos lá?

Andamento e adágio

fotografia de mãos masculinas tocando piano

Antes de entender o que é adágio, é necessário haver uma compreensão básica sobre andamento na música.

E para começar, vamos pensar em uma partitura. Além de dados como ritmo, melodia, harmonia e dinâmica, é preciso que na notação musical constem também informações sobre o andamento da peça a ser executada.

E o que vem a ser isto? Trata-se, simplesmente, da velocidade de execução de um compasso, a qual é expressa em batidas por minuto (BPMs).

Para que esta explicação fique mais didática, imagine um coração. Se você estiver em repouso, o músculo cardíaco irá bater num ritmo moderado. Mas, caso você esteja correndo ou assustado, a velocidade das batidas será muito maior, certo?

Com a música ocorre algo similar. Uma peça musical pode ter o mesmo andamento em toda a execução ou apresentar variações, a depender da intenção do compositor.

A música pode, por exemplo, começar num andamento bem lento e depois ter trechos bem mais rápidos. Isso ocorre tanto na música popular quanto na erudita.

E para o instrumentista ou intérprete saber em qual velocidade a obra deve ser executada, a partitura deve deixar essa informação explícita na parte superior da pauta como mostram os exemplos abaixo, tirados da “Suíte para violoncelo solo 131c no 1”, de Max Reger.

Observe:

Pauta musical para contextualizar o artigo sobre adágio.

Perceba que, nos trechos acima, há palavras em italiano, por ser universalmente o idioma utilizado para nomear expressões musicais em partituras. Tais palavras são seguidas, entre parênteses, da figura musical semínima e um número.

Esses termos em italiano são tipos de andamento, enquanto o número refere-se à quantidade de batidas ocorridas no metrônomo no intervalo de 1 minuto. Quanto maior o número, mais batidas e, portanto, mais rápida será a execução musical.

O adágio é, desta forma, apenas um tipo – entre vários – de andamento, indicando uma velocidade mais lenta que o vivace, de acordo com o exemplo mostrado anteriormente.

É importante salientar que o número 54 exibido na partitura acima tem o intuito de estabelecer uma medida precisa de velocidade de execução musical.

Porém, nem sempre a partitura indica esse número, havendo apenas a menção ao tipo de andamento. Quando isto ocorre, o músico tem maior flexibilidade quanto à rapidez a ser imposta na hora de tocar a música.

O motivo é que os tipos de andamento não apresentam uma numeração exata ou estática. O adágio, por exemplo, varia de 54 a 58 batidas por minuto, sendo que alguns teóricos estendem essa numeração até 66 BPMs.

Adágio: música com suavidade

jovens dotanco violino - adagio artigo completo

Se formos classificar os andamentos de forma mais ampla, podemos subdividi-los em lentos, médios e rápidos. O adágio é considerado um andamento suave e lento, mas não é o mais vagaroso.

O gravíssimo, por exemplo, traz 19 BPMs ou menos. Esta gradação segue até o prestíssimo, correspondente a 200 ou mais BPMs.

Provocando emoções

Quando escutamos uma peça musical mais lenta, normalmente há uma carga de emoções que vêm a reboque e envolvem o ouvinte. O adágio, nesse sentido, é capaz de provocar um turbilhão de sentimentos.

Talvez seja por isso que ele está entre os tipos de andamento mais utilizados por compositores eruditos. Não traz uma lentidão excessiva a ponto de se tornar monótono e soa também muito agradável ao ouvinte.

Às vezes, o compositor opta por vários andamentos numa mesma peça, sendo possível que o adágio esteja presente em algum dos movimentos, como vimos no trecho da suíte de Max Reger. Porém, em determinados casos, o adágio é a essência da obra, estando no próprio título da composição.

Tais peças intituladas como “adágios” são capazes de levar o ouvinte a um estado contemplativo, reflexivo ou até de tristeza. Que o diga a obra-prima “Adágio em Sol Menor para Violino, Cordas e Órgão”, atribuído a Tomaso Albinoni, mas cuja autoria ainda é controversa. Há quem considere essa composição a música mais bonita já feita na história.

O segredo do autor foi saber combinar tanto o andamento lento típico do adágio, quanto a escala menor, que por si só traz uma certa melancolia. Aliado a isso, há uma melodia absolutamente envolvente e comovente. Não à toa, fez parte de muitas trilhas sonoras de programas de TV, filmes – como “Gallipoli”, de 1981 – e outras mídias.

Adágio nas composições eruditas

pasta com folhas de partituras.

Agora que você entendeu o que é o adágio e viu um exemplo clássico na música erudita, vamos citar outras obras musicais que utilizam esse tipo de andamento. Confira:

  • “Clair de Lune”, de Claude DebussyEsta peça, composta para ser tocada como um adágio, refere-se ao terceiro movimento da obra “Suíte Bergamasque”, sendo um exemplo icônico do estilo impressionista de Debussy.

    É uma música com melodia muito delicada, ajudando a criar uma atmosfera emotiva e etérea, de contemplação.
  • “Adagio for Strings”, de Samuel Barber Provavelmente é a peça musical mais conhecida de Barber, tendo sido composta originalmente como o segundo movimento do quarteto de cordas Op. 11 (1936).

    Assim como a icônica obra “Adágio em Sol Menor para Violino, Cordas e Órgão”, de Albinoni, “Adagio for Strings” foi muito utilizada em trilhas sonoras e eventos solenes, causando emoções profundas nos ouvintes.
  • “Adagio”, de Joaquín Rodrigo A obra citada é o segundo movimento do “Concerto de Aranjuez”, composto pelo espanhol Joaquín Rodrigo em 1939.

    Trata-se de uma peça serena e introspectiva, feita para violão clássico, que contrasta bastante com o estilo pujante do primeiro movimento do concerto. “Adagio” captura a essência do romantismo espanhol, com uma mistura de paixão e melancolia.
  • “Gymnopédie no 1”, de Erik Satie Esta peça faz parte de uma série de três composições chamadas “Gymnopédies”, publicadas em 1888. A melodia suave e a atmosfera etérea da Gymnopédie no 1 a tornaram especialmente popular.

    Ela é frequentemente usada em trilhas sonoras de filmes e programas televisivos, aflorando sentimentos e emoções em quem escuta a obra com a devida atenção.
  • “Sonata ao Luar” (primeiro movimento), de Ludwig van Beethoven – O movimento de abertura de “Sonata ao Luar” é um “adagio sostenuto”, que pode ser traduzido como “lentamente e sustentado”. Traz uma carga melancólica e ao mesmo tempo contemplativa, com notas suaves que parecem fluir como a água.

    Beethoven escreveu a sonata num período em que lidava com sua crescente surdez. Alguns estudiosos sugerem que as características de introspecção e melancolia do primeiro movimento eram reflexo do estado emocional do compositor na época.
  • Canon em D”, de Johann Pachelbel Esta obra, escrita por volta de 1680, é uma das mais conhecidas do compositor alemão Johann

    Pachelbel, sendo ainda uma opção musical bastante recorrente em casamentos e eventos formais. Sua melodia se destaca pela suavidade, doçura e serenidade.

E você? Conhece alguma dessas peças musicais? Nossa sugestão é: procure uma por uma no seu streaming favorito ou no YouTube, e experimente apreciar essas músicas, prestando atenção nas emoções que tais obras transmitem.

Depois disso, conte para a gente o que achou. Temos certeza de que será uma experiência incrível. Até a próxima!

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

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