Música Popular Brasileira: da censura à liberdade

A década de 1960 é marcada historicamente pela crise política e o golpe militar. Tempos difíceis, não é mesmo? E se “tempos difíceis produzem homens fortes”, como diz o ditado, a arte também parece ir pelo mesmo caminho.

Coincidentemente ou não, foi nessa época que surgiu o gênero musical que revolucionou a cultura no nosso País: a Música Popular Brasileira.

Chamada também, simplesmente, de MPB, esse estilo revelou verdadeiros gênios na arte de compor. Gente que sabia, como ninguém, encaixar poesia e melodia.

Gente que criava versos repletos de protesto, mas muito bem disfarçados, para tentar driblar os censores. Gente que não fez apenas música: fez história.

A Música Popular Brasileira é um marco, um orgulho nacional. Ao longo das décadas, assim como outros estilos, passou por mudanças. Mas a MPB continua viva, revelando talentos.

MPM e MPB 

MPB disco de vinil em uma vritola retrô

A bossa nova é anterior ao surgimento do gênero denominado Música Popular Brasileira. Mas não houve exatamente uma ruptura entre uma fase e outra.

Na realidade, a sofisticação harmônica presente na bossa não se perdeu e, de certa forma, foi misturada a tradições populares, marchinhas e sambas-canção. Nascia, assim, a chamada “MPB”.

Mas, então, composições que antecedem a esse período não seriam MPB? Artistas como Chiquinha Gonzaga e Ary Barroso poderiam ser ou não encaixados nesse estilo?

Se formos pensar na música popular brasileira em seu sentido mais amplo, da música não erudita feita no Brasil, a resposta é “sim”.

Porém, neste caso, não estaríamos falando de um único gênero musical, mas vários. Pode ser o choro, o samba, as marchas carnavalescas, o baião e muitos outros estilos desenvolvidos no país em sua história. 

O musicólogo, escritor e jornalista Ricardo Cravo Albin, fundador do Instituto Cultural Cravo Albin, defende esse conceito mais abrangente.

Uma de suas principais obras, o “Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira”, com mais de 12 mil verbetes e todos disponíveis para consulta on-line, engloba desde artistas mais antigos, como Chiquinha Gonzaga, até os mais recentes, como a dupla Anavitória e o cantor Tiago Iorc.

Albin, um dos maiores estudiosos da MPB, escreveu outras obras importantes na área, como o “O Livro de Ouro da MPB – A história de nossa música popular de sua origem até hoje” e “MPB: a História de um Século”.

Agora, se levarmos em consideração a MPB como gênero musical propriamente dito, ela só passou a existir, de fato, na segunda metade dos anos 60, quando o boom da bossa nova já havia passado.

Inclusive, na época, recebia outra denominação: “Música Popular Moderna” (MPM). Mas a sílaba MPB acabou se consagrando definitivamente.

O marco inicial da MPB

Em 1965, Elis Regina fez sua icônica interpretação de “Arrastão” durante o 1º Festival da Música Popular, apresentado na TV Excelsior.

Elis Regina primeiro festival de Música Popular Brasileira

A canção, vencedora do festival e composta por Edu Lobo e Vinícius de Moraes, marca o surgimento do estilo “Música Popular Brasileira”, segundo alguns estudiosos.

“Arrastão” trazia elementos de um novo gênero musical, a começar pela interpretação esfuziante da eterna “Pimentinha” da MPB, que fazia contraposição ao jeito contido de cantar característico da bossa.

Com muita expressividade, movimento dos braços durante a performance e bastante projeção vocal, Elis conquistou de imediato os jurados e o público. E tornou-se rapidamente uma das intérpretes mais aclamadas no país.

A composição também é um divisor de águas na carreira de Edu Lobo, que já havia criado quatro bossas, as quais haviam sido reunidas em um compacto.

Porém, por influência das atividades no Centro Popular de Cultura da UNE, enveredou por temas sociais e regionalismo.

Censura: a dança das tesouras contra a MPB

Politicamente, os anos 60 foram um período bastante conturbado no Brasil, principalmente devido ao advento do Regime Militar. Com isso, surgiram as canções de protesto na Música Popular Brasileira. Só que havia um probleminha: a censura.

Alguns artistas souberam driblá-la com letras carregadas de metáforas e muita criatividade. Mas nem sempre essa estratégia deu certo.

Uma das composições mais geniais de Chico Buarque, “Cálice”, é um exemplo disso.

O título da música era nada mais que um homófono de “cale-se”, fazendo, portanto, uma crítica à censura imposta pelo governo, assim como ao modus operandi de repressão aos opositores.

Os censores, infelizmente, perceberam o que havia por trás da letra. Por esta razão, essa canção, assim como “Apesar de Você” e outras, só foram liberadas cinco anos depois.

Milton Nascimento foi outro grande músico na mira da censura. Seu álbum “Milagre dos Peixes”, de 1973, teve as letras de oito das 11 canções censuradas.

Com isso, o cantor resolveu gravar apenas as melodias, para não deixar seu trabalho inacabado.

Não dá também, é claro, de deixar de citar Geraldo Vandré e sua icônica composição “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”.

Ou mesmo Belchior, com “Pequeno Mapa do Tempo”.

Gonzaguinha, por sua vez, foi outro mestre na arte de compor canções de protesto, como “Sangrando” e “Comportamento Geral”.

A Tropicália

Essa característica de usar a arte para protestar contra o Regime também reverberou para outro movimento musical da MPB, a Tropicália.

Esta vertente da Música Popular Brasileira trouxe fusão de diversos gêneros, como o rock e o baião. Não havia limites para a arte: violinos, berimbau e guitarras conviviam no mesmo palco harmonicamente.

Vale destacar que o movimento Tropicalista revelou um dos melhores discos da história da MPB: “Tropicália ou Panis et Circensis”.

Entre seus representantes estão Caetano Veloso e Gilberto Gil, que foram presos e exilados pelo Regime Militar. Também faziam parte do movimento nomes como Tom Zé, Gal Costa e o grupo Os Mutantes.

O sucesso da Jovem Guarda

A Jovem Guarda, por sua vez, foi outro movimento da MPB na época, mas seguiu um caminho bem diferente.

Em vez do protesto, as letras falavam de romance e adolescência, eram recheadas de gírias e até ditavam moda. Muitas das canções eram versões de sucessos internacionais.

Foram revelados artistas como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Tim Maia, Wanderléa, Vanusa, Jerry Adriani, Sergio Reis e Ronnie Von, além de grupos como Renato e Seus Blue Caps, The Fevers, Golden Boys, entre muitos outros.

O movimento atingiu rápida popularidade, com melodias e letras fáceis de memorizar, além de muitos hits dançantes.

Festivais ajudaram a divulgar a Música Popular Brasileira

Musica Popular Brasileira - pessoas em festival de música

A disseminação da MPB se deu, em grande parte, pelos festivais, como o que premiou “Arrastão”. Vários deles foram criados e realizados ao longo dos anos, revelando muitos artistas e músicas que se tornaram grandes clássicos do gênero.

A segunda edição do Festival de Música Popular, por exemplo, apresentado na TV Record, premiou, em primeiro lugar, duas canções que fizeram história.

São elas “A Banda”, de Chico Buarque, e “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, com interpretação de Jair Rodrigues.

A TV Globo, por sua vez, também entrou na vibe dos festivais. O Festival Internacional da Canção é um deles e revelou outras músicas icônicas: “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque; “Fio Maravilha”, de Jorge Ben (hoje Jorge Benjor); e “BR-3”, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar – com interpretação de Toni Tornado e Trio Ternura.

Já nos anos 80, a Globo fez três edições do festival MPB Shell. A primeira premiou “Agonia”, do compositor Mongol, com interpretação de Oswaldo Montenegro.

Em 1981, a atriz e cantora Lucinha Lins fez uma performance emocionante de “Purpurina”, canção vencedora do ano. Mas, infelizmente, levou uma vaia sonora do público presente no Maracanãzinho. Coisas de festival…

Já em 1982, a voz marcante de Emílio Santiago contribuiu para que a canção “Pelo Amor de Deus” – de Paulo Debétio e Paulinho Rezende – conquistasse a primeira colocação no MPB Shell daquele ano.

Dia Nacional da Música Popular Brasileira

Nas décadas seguintes, a Música Popular Brasileira buscou novos caminhos, mas sem perder sua qualidade e relevância enquanto arte.

Músicos como Seu Jorge, Maria Gadú, Ana Carolina, Tiago Iorc, Jão, Rubel, a dupla Anavitória, o grupo Gilsons e outros estão entre os talentos revelados no período compreendido entre os anos 90 até os dias atuais.

E você? Gosta de MPB? Tem um cantor favorito? Conte pra gente!

E lembre-se: em 17 de outubro é celebrado o Dia Nacional da Música Popular Brasileira.

É mais um motivo para você ouvir e manter vivo esse gênero musical tão importante para a nossa cultura!

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

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