Música erudita: obras-primas que resistem ao tempo

É comum dizer que música boa não tem época e fica eternizada na história. A música erudita certamente tem essa característica. Traz em seu cerne obras altamente complexas, em geral executadas por diversos instrumentos e com um objetivo claro: o auge da beleza musical.

Compositores de música erudita nunca quiseram fazer de suas criações algo de consumo descartável e passível de ser esquecido.

Pelo contrário: o importante era fazer dessa arte um grande legado que pudesse transcender gerações.

A história dessa vertente musical foi registrada em milhares de partituras, para que nada se perdesse. E todas essas obras-primas continuaram a ser transmitidas e executadas por músicos ao longo dos séculos.

O que é música erudita?

partituras antigas com nomes mozart beethoven espalhadas sobre a mesa com duas rosas brancas

Ao pensarmos em música erudita, logo nos remetemos a compositores como Bach, Mozart, Chopin, Handel e tantos outros conhecidos por obras de grande complexidade e com harmonias sofisticadas.

Desta forma, podemos definir o termo, de forma bem resumida, como um tipo de música mais complexa e elaborada, normalmente executada por orquestras, bandas sinfônicas, quartetos de cordas e outras formações, sempre com músicos de alto nível técnico.

Durante a criação das obras, marcadas por grande beleza e refinamento, os compositores colocavam todo seu vasto conhecimento musical à prova. E deixaram um legado imensurável à humanidade.

Música clássica x música erudita

Muita gente denomina a música erudita como sinônimo de música clássica. Porém, há controvérsias.

A rigor, o período conhecido como “clássico” está localizado historicamente entre os períodos barroco e romântico. Corresponde aos anos 1730 até 1820, aproximadamente.

Essa época é marcada principalmente pelo “Classicismo Vienense”, pelo fato de Viena ter sido um marco na produção musical europeia, naquele tempo.

Entre os principais expoentes musicais do período, podemos citar Mozart, Hayden, Antonio Salieri, Muzio Clementi e Mauro Giuliani, entre muitos outros.

Também entram nessa lista Beethoven, Schubert e Paganini, que são considerados compositores de transição entre os períodos clássico e romântico.

Na era barroca – cuja figura mais proeminente é Johann Sebastian Bach – instrumentos considerados raríssimos hoje em dia, como o cravo e o clavicórdio, eram muito utilizados. Contudo, não havia como fazer um som suave ou mais forte.

Clavicórdio - Instrumento antigo utilizado na música clássica
Clavicórdio
desenho de instrumento antigo chamado cravo.
Cravo

Já na era clássica, com o advento do piano, foi possível implementar essa dinâmica, pela própria versatilidade do instrumento em executar sons mais intensos ou suaves.

Por isso, é comum ver nas partituras clássicas informações sobre os momentos de maior ou menor intensidade, os quais são representados por letras.

Veja quais os símbolos dessa dinâmica em ordem crescente:

  • ppp = pianississimo
  • pp = pianissimo
  • p = piano
  • mp = mezzo piano
  • mf = mezzo forte
  • f = forte
  • ff = fortissimo
  • fff = fortississimo

As obras da música clássica são apresentadas ao público comumente por trios, quartetos de cordas, quintetos e orquestras, com destaque para a execução de sonatas e sinfonias. Também há espaço para concertos solo.

É possível chegar à conclusão que, dentro dessa definição histórica, toda música clássica é erudita, mas nem toda música erudita é clássica, pois abarca também outros períodos, como o barroco, o romântico, o moderno e o contemporâneo.

Porém, se formos pensar no “clássico” em sua conotação mais popular, podemos considerá-lo um sinônimo de “erudito”. 

O crítico musical e escritor brasileiro Luiz Paulo Horta, por exemplo, sequer gostava do termo “erudito”. Para ele, seria algo “pedante”, inacessível ao público geral. Ele preferia simplesmente falar em música clássica ou de concerto.

Luiz Antonio de Almeida, autor de “Ernesto Nazareth – Vida e Obra”, por sua vez, cita as definições contidas no Dicionário Aurélio. Assim, o erudito se refere àquele que tem erudição ou que sabe muito, enquanto o clássico é definido como algo da mais alta qualidade e cujo valor foi posto à prova do tempo.

Em seu texto, publicado online, Almeida diz que o brasileiro Ernesto Nazareth poderia, dentro desse conceito, ser classificado tanto como erudito – pelo seu vasto conhecimento musical – quanto clássico, pela sua obra marcante e eternizada pelo tempo.

Música erudita x música popular

Outro aspecto polêmico diz respeito à suposta oposição entre música erudita e popular. Como se uma não tivesse qualquer relação com a outra.

Mas seriam essas duas vertentes musicais realmente opostas? Para responder a essa pergunta, vamos antes fazer algumas considerações.

A música erudita tem sua origem na música sacra, já trazendo em si características que, de certa forma, são inerentes ao “sagrado”, como seriedade e perfeccionismo.

Muitos de seus expoentes, aliás, compuseram obras de cunho fortemente religioso. Confira alguns exemplos:

  • Cantata BMW 147, de Johann Sebastian Bach: contém o famoso coro “Jesus Alegria dos Homens”.
  • Ein Deutsches Requiem (Réquiem Alemão) Op. 45, de Johannes Brahms: o réquiem é uma missa celebrada em homenagem aos mortos.
  • The Messiah (O Messias), HWV 56, de Georg Friedrich Handel: traz o famoso trecho com o coro “Aleluia”.
  • Réquiem em Ré menor (KV 626), de Wolfgang Amadeus Mozart: obra não finalizada do compositor.
Jesus Alegria dos Homens (Johann Sebastian Bach)

As músicas populares, por sua vez, eram transmitidas oralmente, sem tanta preocupação com o apuro técnico ou com arranjos complexos. Podiam ter origem em manifestações culturais populares e na tradição folclórica.

Apesar das diferenças evidentes, não podemos falar em oposição entre as vertentes erudita e popular. Até porque ambas sofreram influência uma da outra.

Chopin, por exemplo, compôs dezenas de “Mazurcas”, inspirado na tradicional dança polonesa. Ele também criou, para o piano, duas “Bourrées”, baseado em dança de origem francesa. Bach também fez duas composições elaboradas a partir dessa manifestação artística popular.

Brahms, por sua vez, compôs 21 peças com inspiração na música cigana utilizada nas danças húngaras.

Já o último movimento da Sonata para piano nº 11 em lá maior (K. 331), conhecido como “Marcha Turca”, foi composto por Mozart e traz elementos da música turca, popular na época em Viena. A ópera “O Rapto do Serralho”, também de Mozart, é outra obra marcada pelo estilo.

No Brasil

A música erudita brasileira também traz muitos elementos da música popular, a começar pelas criações de Heitor Villa-Lobos.

Ele compôs desde peças com estilo europeu, em sua primeira fase, até choros e diversas outras obras inspiradas em tradições populares, as quais se tornaram sua marca registrada.

A aproximação de Villa-Lobos com a vertente popular é resultante de vários fatores. O músico gostava de tocar violão em eventos festivos e serenatas. Também fazia constantes parcerias com músicos como Catulo da Paixão Cearense e Ernesto Nazareth.

Em suas viagens pelo interior do Brasil, descobriu a riqueza da música folclórica do país.

Tudo isso influenciou grandemente sua obra, considerada a mais proeminente na música erudita brasileira.

O compositor mergulhou até mesmo no universo das cirandas e cirandinhas, fazendo novos arranjos e trazendo maior complexidade a tradicionais cantigas de roda.

Vale destacar, ainda, a série das “Bachianas Brasileiras”, que faz uma interessante fusão entre música folclórica brasileira – principalmente a caipira – e Bach.

Villa-Lobos – Bachianas Brasileiras – (O trenzinho do caipira)

O Trenzinho do Caipira, que imita o som de uma locomotiva, por exemplo, corresponde ao quarto movimento das “Bachianas Brasileiras no 2” e conquistou muita popularidade no Brasil.

Da mesma forma que o erudito bebe da fonte popular, ocorre também o contrário. Basta observar a complexidade harmônica do jazz e até o uso de instrumentos como violino e violoncelo no som dos Beatles ou no rock progressivo.

Tom Jobim

No Brasil, o saudoso Tom Jobim talvez seja o melhor exemplo do quanto a fronteira entre erudito e popular pode ser bastante tênue.

Jobim teve formação musical completa e era um apreciador contumaz de música erudita. Aliás, a influência dos autores eruditos, incluindo Heitor Villa-Lobos, permeou várias de suas composições.

Sua primeira obra, aos 18 anos, foi “Valsa Sentimental”, que traz elementos das criações de Chopin. Posteriormente, a canção ganhou letra de Chico Buarque.

Outras músicas marcantes, como “Passarim” e “Falando de Amor”, também apresentam características chopinianas.

Mesmo conhecido como um músico popular, Jobim também criou obras de cunho erudito, como “Lenda” – feita para piano e orquestra – e “Sinfonia da Alvorada”.

E você? Aprecia mais a música erudita ou popular? Conte pra gente! Sua opinião é sempre bem-vinda!

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

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