Conheça a fisiologia da voz e domine a arte de cantar

O estudo do canto passou por muitas transformações nas últimas décadas. Uma delas diz respeito ao maior conhecimento da fisiologia da voz. Antes, esse tema era praticamente restrito a profissionais de saúde, como médicos otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos.

Atualmente, porém, mesmo cantores que não atuam professores já perceberam o quanto é importante saber ao menos o mínimo sobre fisiologia da voz.

E o que vem ser a isso, afinal? Quais as principais aplicações práticas desse conhecimento na performance vocal? É o que iremos desvendar ao longo desse artigo.

Anatomia e fisiologia da voz

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Se você é um violonista, certamente sabe as partes de seu instrumento e para que serve cada uma. Estão lá as tarraxas, as quais são utilizadas na afinação das cordas; o braço com os trastes e as casas; o corpo com a boca e o tampo; e alguns outros elementos.

Já quando se fala na voz como instrumento, até há muito pouco tempo não havia uma preocupação em se conhecer as partes referentes à produção vocal.

O aprendizado do canto era bastante focado em sensações: o aluno deveria “sentir” se a voz estava ecoando no peito ou na cabeça, por exemplo. Havia também uma certa “obsessão” pelo diafragma, para treino respiratório.

Essa metodologia, por vezes, não funcionava para todos os casos. Nem todo aluno consegue perceber as sensações de vibração no peito e na cabeça. Além disso, nem todos precisam apostar em exercícios que aumentem o fluxo aéreo, como o “s” emitido tal como uma panela de pressão.

Cada aluno vive uma realidade vocal diferente. Por esta razão, o ideal é controlar o fluxo de acordo com as necessidades vocais da pessoa.

Portanto, em vez de pensar em “sensações” ou um único modo de respirar, precisamos conhecer como funciona fisiologicamente nosso processo respiratório e a emissão da voz.

Com essa consciência e dependendo do comportamento vocal ao cantar, entendemos melhor o que fazer para corrigir imperfeições no canto. Ou quais exercícios mais condizentes para dominar ornamentos vocais, aumentar a extensão vocal, entre outras demandas.

Assim, é bastante válido em nosso aprendizado estudar ao menos as bases anatômicas, ou seja, a estrutura utilizada para a produção vocal.

Mas mais importante do que meramente saber aspectos anatômicos, é conhecer as funções de cada uma dessas partes que compõem nossos aparelhos respiratório e vocal. Neste caso, estamos falando da “fisiologia da voz”.

Papo reto

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Nossa intenção aqui é apenas explanar as funções das estruturas mais básicas e fundamentais envolvidas no canto, até porque não é possível esgotar o tema em um texto simples e sucinto.

E mais: não é necessário que um professor de canto saiba os nomes de todos os músculos intrínsecos e extrínsecos da laringe para ajudar seus alunos. O fundamental é entender como funciona o “instrumento” vocal e as estratégias para trabalhar melhor a voz de seus aprendizes.

Introdução à fisiologia da voz: a respiração

Primeiramente, é importante ter em mente os três elementos fundamentais da produção da voz: fluxo de ar, firmeza muscular na emissão vocal e filtro.

Basicamente, quando a pessoa inspira, o ar enche os pulmões e o diafragma se contrai, permitindo a expansão da caixa torácica. Depois, o ar começa a ser expirado e chega à laringe, indo ao encontro das pregas vocais, as quais estão aduzidas (ou fechadas).

Esse fluxo aéreo, ao tentar vencer a resistência das pregas, gera a “pressão subglótica”, ou seja, uma pressão abaixo da glote. No processo fonatório, naturalmente as pregas vão se abrir e vibrar, durante a passagem do ar.

Assim, é gerado o “som fundamental”, o qual vai ser moldado no trato vocal – também chamado de filtro, shape ou ressonância – e emitido.

Segundo o músico Bruno Thadeu Reis Ramos, em sua dissertação de mestrado de 2013, a voz pode ser considerada uma “expiração sonorizada”.

Afinal, ao falar ou cantar, a pessoa não apenas respira, como emite um som. “O ar é expulso dos pulmões pela ação dos músculos expiradores, e essa expiração ativa, necessária à produção da voz, chama-se ‘sopro fonatório’”, explica o autor.

O papel da laringe no estudo da fisiologia da voz

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Quando falamos em fisiologia da voz, apesar de termos três elementos fundamentais na produção vocal, podemos considerar a laringe como a grande protagonista desse processo.

É nela que estão as pregas vocais e toda a musculatura necessária para que ela se movimente adequadamente durante a fonação.

Na região laríngea temos três estruturas principais:

  • Supraglote: área acima das pregas vocais.
  • Glote: espaço entre as pregas vocais.
  • Subglote: área abaixo das pregas vocais.

É na região glótica, portanto, que se localiza o segundo elemento da produção vocal e toda a musculatura intrínseca responsável pelo alongamento, encurtamento, abertura e fechamento das pregas vocais.

Os principais músculos intrínsecos da laringe são:

  • Tireoaritenoideo: tem como papel encurtar as pregas vocais, tornando-as mais espessas e relaxadas, com capacidade de produzir sons graves.
  • Cricotireoideo: responsável por alongar as pregas vocais, tornando-as mais tensas, finas e capazes de produzir sons agudos. Também é um dos músculos envolvidos na adução ou fechamento das pregas.
  • Cricoaritenoideo lateral: sua principal função é aduzir – ou fechar – as pregas vocais.
  • Cricoaritenoideo posterior: tem como função abduzir – ou abrir – as pregas vocais.

Já os músculos extrínsecos atuam principalmente na elevação e abaixamento da laringe, um aspecto extremamente importante a se levar em consideração no canto.

Na hora de cantar, a laringe vai inevitavelmente entrar em movimento. Porém, é preciso ficar atento para que essa estrutura não suba exageradamente.

Quando isto ocorre, é possível que a pessoa esteja “esgoelando” para atingir determinadas notas, o que, além de desnecessário, causa muitas tensões e pode até mesmo lesar as pregas vocais.

O ideal é manter a laringe, em geral, na posição média. Como existe uma tendência natural em se elevar esse órgão, é preciso que, durante o treinamento vocal, o cantor faça exercícios para abaixá-lo. Assim, ao cantar, obtém-se um equilíbrio maior na movimentação laríngea.

Um dos exercícios mais utilizados, nesse sentido, é o “espaguete”, um movimento de sucção simples que, se feito repetidamente, “ensina” sua musculatura extrínseca a colocar a laringe numa posição mais apta para o canto.

A ressonância vocal

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Finalmente, temos, na fisiologia da voz, o terceiro elemento fundamental no ato de cantar, o qual recebe várias denominações: shape, ressonância, filtro ou trato vocal.

É nessa “caixa” de ressonância natural que a voz encontra espaços para sua amplificação e é moldada de acordo com o que o cantor deseja para expressar sua arte.

O trato vocal é formado por duas grandes estruturas:

  • Cavidade oral: composta de lábios, língua, palato duro e palato mole.
  • Faringe: compreendida pela hipofaringe (ou laringofaringe), orofaringe e rinofaringe (ou nasofaringe).

Utilizar o trato vocal de maneira técnica e consciente é fundamental para cantar bem. Em técnicas como o belting, por exemplo, o intérprete precisa estabelecer “encaixes” da voz em determinados pontos ressonadores, a fim de garantir agudos potentes e com brilho.

Algumas estratégias são adotadas para isso, como o posicionamento correto da língua e o levantamento do palato mole, abrindo espaços para os encaixes necessários.

Outros ajustes vocais também dependem do bom uso da ressonância. Por isso, ter esse conhecimento inerente à fisiologia da voz é tão importante.

Conclusão

Essa tríade envolvida na fisiologia da voz – fluxo de ar, consistência muscular e ressonância – funciona, naturalmente, de forma conjunta na emissão vocal. Procuramos explicar cada parte separadamente apenas por uma questão didática.

No final das contas, todo o seu corpo é envolvido no ato de cantar. Se você estiver, por exemplo, se sentindo tenso, dolorido e estressado, tudo isso irá se refletir na voz.

Portanto, jamais pense nos elementos da produção vocal como coisas estanques e colocadas em “caixinhas”. Afinal, a expressão de sua arte leva em consideração todo um conjunto, o qual inclui tanto a parte física quanto a psicológica.

Por outro lado, é preciso entender os processos fisiológicos, a fim de estabelecer parâmetros técnicos para eventuais correções.

Lembre-se: se você é cantor, sua voz é o seu instrumento musical e ter conhecimento de sua estrutura é essencial para promover o seu desenvolvimento e suas potencialidades. Até a próxima!

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

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