A voz humana é repleta de recursos, sendo a voz basal um dos mais peculiares. Mas o que é isso, afinal?
Mais do que simplesmente um recurso, o registro basal compreende a região mais grave da voz humana.
É também conhecido por outro nome, “vocal fry”.
Há, ainda, outras nomenclaturas não tão comuns, como “raspagem glótica” e “registro de pulso”.
Como é o som da voz basal?
O verbo “to fry”, do inglês, significa “fritar”.
E é exatamente isso: é como se sua voz “fritasse”, emitindo crepitações constantes e regulares.
As pregas vocais vibram de forma diferenciada. Há frouxidão no fechamento glótico, por onde passam bolhas de ar, emitindo pequenos estalos.
Para ficar mais ilustrativo, basta imaginar o som da batata fritando em óleo quente. Não é um ruído idêntico ao vocal fry, é claro, mas traz algumas similaridades.
A voz basal passa a impressão de que existe uma “sujeira” na voz.
Por conta desse som estranho e crepitância, você deve estar se perguntando qual a utilidade do registro basal no canto.
E mais: como o vocal fry é feito?
Será que alguém habituado a cantar notas mais agudas consegue emitir um som tão grave? É o que vamos descobrir agora.
Fisiologia e faixa de frequência do registro basal
Fisiologicamente, a voz basal se dá a partir da contração do tireoaritenoideo (TA).
Esse músculo intrínseco da laringe é constituído de uma parte interna (TAi), responsável por deixar as pregas vocais curtas e espessas na emissão de notas graves; e outra parte externa, que é adutora das pregas vocais.
De acordo com Sílvia Pinho, Gustavo Korn e Paulo Pontes, autores de “Músculos Intrínsecos da Laringe e Dinâmica Vocal”, há dois tipos de fry.
Um deles é relaxado, realizado com a laringe baixa e atuação do TAi. O outro é tenso, feito com a laringe mais alta e atuação de dois músculos: TA externo e cricoaritenoideo lateral (CAL).
Frequência
Em relação à faixa de frequência exata do som basal, não há um consenso entre teóricos do canto.
Pinho, Korn e Pontes apontam em sua obra um intervalo entre 30 e 75 hertz (ciclos vibratórios por segundo).
Mas se formos observar outras obras sobre o tema, vemos um mínimo de 2 e o máximo de 90 hertz.
Seja como for, sabe-se que quanto mais grave é o som, menos as pregas vocais vibram.
Nas notas agudas, naturalmente, elas passam a vibrar com muito mais rapidez, ou seja, com maior número de hertz.
O mesmo raciocínio vale para os instrumentos musicais. Para se ter ideia, a nota mais grave do piano tem 27,5 hertz. Já a mais aguda chega a 4.186 hertz.
Sobre isso, uma curiosidade: o cantor Tim Storms, recordista no Guinness Book como a voz mais grave do mundo, chegou à incrível marca de 0,189 hertz.
Essa frequência, imperceptível à nossa audição, equivale a uma nota Sol localizada oito oitavas abaixo do Sol mais grave do piano.
Voz basal na estética do canto
Por incrível que pareça, o registro basal proporciona possibilidades interessantes ao intérprete.
Quando bem utilizado, traz resultados surpreendentes e esteticamente muito agradáveis.
Alguns cantores utilizam o vocal fry como um recurso bastante prevalente em suas interpretações. É o caso de Tim Storms, que já citamos aqui.
Mas a maioria lança mão desse registro de forma pontual, no início ou final de estrofes, para dar um certo “charme” à canção.
Citamos, agora, alguns exemplos de gravações com utilização estética do som basal.
Todas estão disponíveis no YouTube ou aplicativos como o Spotify. Perceba que os intérpretes escolhem pontos específicos para fazer o fry:
- “When We Were Young” – Adele
- “Me Deixas Louca” – Elis Regina
- “Don’t Speak” – No Doubt
- “Wherever You Will Go” – The Calling
- “João de Barro” – Renato Vianna
- “Foolish Heart” – Steve Perry
- “Adagio” – Lara Fabian
- “Spanish Guitar” – Toni Braxton
- “Firework” – Katy Perry
Utilidades técnicas do vocal fry
Além de ser um recurso estético, o registro basal também pode ser útil para o aprendizado do drive vocal.
Trata-se de uma técnica avançada de canto bastante comum entre artistas de rock e heavy metal, mas não exclusiva desses gêneros musicais.
No drive há características de crepitância e ruído, sem necessariamente estar atrelado às notas graves.
O fry pode ser, ainda, um recurso de relaxamento, após os exercícios tradicionais de técnica vocal.
É também um método eficaz para quem tem dificuldade em atingir notas graves.
Além disso, é benéfico no controle do fluxo aéreo e para obtenção de maior firmamento glótico.
É possível executá-lo tanto na expiração quanto na inspiração. Contudo, alguns especialistas recomendam que, enquanto exercício, o som basal seja feito ao expirar.
Voz basal e saúde da voz
O som basal pode servir de ferramenta aos fonoaudiólogos para o tratamento de algumas disfunções, como disfonia, nódulos e edemas nas pregas vocais.
Esse registro, porém, deve ser usado com parcimônia. Como promove grande contração do TA e possível sobrecarga do músculo, pode causar fadiga vocal.
Se realizado regularmente, também é capaz de levar o indivíduo a conversar habitualmente em regiões mais graves.
No canto, o uso excessivo da voz basal traz como consequência a dificuldade em atingir notas mais agudas no registro modal.
Como encontrar o registro basal na voz?
A palavra de ordem ao fazer o vocal fry é: “Relaxe”.
Isso mesmo: seus lábios, sua mandíbula e músculos faciais não devem ter qualquer sinal de tensão.
E não importa se você se sente mais confortável cantando notas agudas. Todo mundo tem uma voz basal para chamar de seu. Basta você descobri-lo.
Siga, então, os seguintes passos:
- ➡️Imagine que você está com muita preguiça ou muito sono. Faça, então, um bocejo com “a” descendente, em glissando. Caso não saiba o que é o “glissando”, confira neste blog os posts sobre voz de cabeça, voz mista e registro vocal.
- ➡️Mantenha a cavidade oral bem aberta, até chegar ao ponto mais grave da voz, já com a crepitância característica do registro basal.
- ➡️Tente deixar o som com frequência constante e pouco volume.
- ➡️Não jogue muito ar! Mantenha o fluxo aéreo bem baixinho, para viabilizar o exercício.
- ➡️Caso não tenha conseguido, continue praticando e peça orientações ao seu vocal coach.