Você já ouviu falar ou sabe o que é voz mista ou mix voice? Para entender o que significa, é preciso, antes, ter uma compreensão básica sobre registro vocal, o qual já explicamos em outro post.
Em resumo, o registro refere-se a cada intervalo de notas com mecanismo de execução semelhante.
Pois então: alguns teóricos definem a voz mista como sinônimo de registro médio. Só que existe um conceito mais abrangente e é nele que iremos focar.
Tríade da técnica vocal
A voz mista, neste caso, está relacionada ao bom funcionamento de todo o registro modal.
Nele estão contidos os registros denso (voz de peito), médio e tênue (voz de cabeça), sendo necessário uma conexão eficiente entre eles.
E mais: a voz mista se traduz em equilíbrio e boa coordenação entre os três itens que formam a tríade da técnica vocal: fluxo de ar, consistência muscular laríngea e trato vocal (“shape” ou filtro).
Todos têm de estar em sintonia, como peças de uma máquina.
O mix voice é, então, uma mistura ou sinergia de vários mecanismos funcionando com qualidade.
O resultado é uma voz firme, bonita, afinada e saudável.
Portanto, podemos dizer que é na voz mista que se encontra a base dos recursos fundamentais do canto, para uma técnica vocal de excelência.
Fluxo de ar na voz mista
O fluxo de ar é o primeiro elemento para fazer a nossa “máquina” vocal trabalhar adequadamente. É o “combustível” do canto.
Esse ar, advindo dos pulmões durante a expiração, vai ao encontro das pregas vocais na laringe, exercendo pressão subglótica – abaixo da glote, que é o espaço entre as pregas vocais.
Elas vibram, por meio de um fenômeno denominado “efeito Bernoulli”, produzindo o “som fundamental”.
É importante, nesse processo, que o fluxo esteja estável, sem falta ou excessos.
A pressão subglótica, quando exagerada, favorece as mudanças bruscas de registro, o que é indesejável.
Voz mista e conexão de registros
Na laringe, devemos prestar atenção à consistência da musculatura intrínseca.
A ideia é, com isso, conectar os registros denso, médio e tênue, para que a voz mista aconteça de forma fluida, sem rupturas ou tensões.
É importante frisar que existem vários músculos laríngeos com funções sobre as pregas vocais.
Mas vamos nos ater, no momento, a apenas dois: o tireoaritenoideo interno (TAi) e o cricotireoideo (CT).
Notas graves, com som encorpado, demonstram a atuação predominante do TAI, considerado um músculo de força. Neste caso, as pregas vocais estão bem espessas e curtas.
Se o cantor emitir notas agudas, o cricotireoideo (CT), um músculo de resistência, entra em cena e passa a prevalecer. As pregas, nesta situação, ficam mais tensas, finas e alongadas.
No registro médio, por sua vez, há um equilíbrio na atuação do TAI e CT. As pregas não estão nem muito curtas e nem muito longas.
A passagem entre essas regiões deve ser suave, gradual, sem “susto”.
Caso contrário, o som fatalmente desestabiliza e sai desafinado, como se fizesse um “clec”. É a temida “quebra”, que acomete cantores pouco treinados.
Podemos fazer, neste caso, alusão a um elástico. Temos como esticá-lo e deixá-lo na posição anterior de forma controlada. Mas se soltarmos de uma vez, ele faz um ruído e um movimento brusco.
Com as pregas vocais, ocorre algo semelhante. Se usarmos o TAi, mantivermos tudo bem aduzido e simplesmente “largarmos” de uma vez para chegar nos agudos, fatalmente ocorrerá a “quebra”.
A musculatura laríngea não vai “entender” sua intenção de mudança de registro, pois haverá perda do tônus na passagem entre TAi e CT.
O som sairá descompensado e o agudo ficará fraquinho e soproso.
O trato vocal na voz mista
Quando o ar passa pelas pregas, mesmo que a musculatura laríngea esteja bem trabalhada, de nada vai adiantar, se o “som fundamental” produzido não for bem moldado e amplificado.
É aí que entra em cena o trato vocal, também chamado de “shape” e filtro.
Essa estrutura, que abarca toda a área entre as pregas vocais e os lábios, funciona tal qual uma caixa de ressonância de um instrumento musical.
É no trato que você consegue manejar os efeitos ressonantais, a parte acústica do seu canto.
Isso inclui a abertura da faringe e da cavidade oral, a posição da língua e outros fatores que influem diretamente na estética do canto e na sonoridade.
Sem o manejo adequado, o som pode sair “apertado” e você, involuntariamente, irá recrutar músculos desnecessários para conseguir cantar. E o resultado não será bom.
A voz mista, pelo contrário, não causa desconforto nem tensões.
Exercícios para a voz mista
Aqui, propomos alguns exercícios muito básicos para a voz mista, só para dar um pontapé no seu aprendizado.
Utilize volume médio em sua prática: nem muito alto e nem muito baixo. Afinal, o importante na voz mista é a coordenação e o equilíbrio.
Não esgoele e nem force. Se sentir alguma dor, pare imediatamente.
Fazê-los diariamente não dispensa a necessidade de um vocal coach. Só ele poderá diagnosticar as condições de sua voz e ajudá-lo(a) com exercícios específicos.
Vamos lá?
- ➡️Espaguete – Este exercício ajuda a abrir espaços no trato vocal, além de abaixar a laringe. É muito simples: basta sugar o ar, como se estivesse saboreando um espaguete. Durante o movimento de sucção, conte até 5. Repita por 10 vezes.
- ➡️ÃN – Faça o “ãn” em glissando, do grave ao agudo, como se estivesse “escorregando” nas notas. Posteriormente, retorne à mesma nota grave do início, também em glissando. O som fica similar ao de uma sirene. Este é um dos melhores exercícios para corrigir quebras nas zonas de passagem entre um registro e outro.
- ➡️U – Faça o mesmo exercício anterior, em glissando, utilizando a vogal “u”.
- ➡️Ô – Cante o “Ô” alternando entre nota grave e uma oitava acima. Depois, repita o mesmo processo, mas em um semitom acima do exercício anterior.
- Continue de forma ascendente, até o ponto onde consiga alcançar confortavelmente em sua extensão vocal.
- Depois, faça o mesmo exercício de forma descendente, até chegar ao grave de onde começou.
- ➡️Vibração labial – Faça o som de “Brrr” com vibração labial. Para facilitar, segure as laterais dos lábios com a ponta dos dedos, puxando-os levemente para cima.
- Se souber tocar um instrumento, execute uma escala em cinco tons de forma ascendente e descendente, e faça a vibração nessa escala.
- Inicie numa nota confortável. Suba um semitom a cada execução.
- O exercício deve ser realizado de forma leve, com pouco volume.
- O efeito da vibração surgirá naturalmente com o correto fluxo de ar, que deve ser bem direcionado para a cavidade oral.
- ➡️Vibração de língua – Execute o mesmo exercício anterior, mas com o som de “Trrrr”, feito com vibração de língua.
- ➡️NEI – Faça a sílaba NEI, seguindo a mesma escala dos exercícios anteriores.
- ➡️Dica importante: você pode lançar mão de outras escalas, para variar a dinâmica dos exercícios.
- Uma sugestão é baixar o app Swift Scales, que traz várias delas para o canto e permite também a você montar suas próprias escalas.
Conclusão
Para concluir, algumas observações:
Voz mista não é estilo vocal, nem ornamento. Cada pessoa tem sua voz mista. Não existe um timbre ou som único que caracterize o mix.
Seja qual for sua classificação vocal, existem características densas, médias e tênues na sua voz.
Essa classificação, portanto, não deve ser um empecilho para desenvolver a voz mista.
Contraltos, por exemplo, podem atingir notas consideradas agudas, com a prática de exercícios voltados a esse fim.
Para um bom mix, você precisa de um bom funcionamento da tríade da técnica vocal.
Se você não descobriu ainda sua voz mista, entenda seu momento atual. Paciência e persistência nos exercícios vocais são a chave para chegar lá.
Numa academia, ninguém fica com barriga “tanquinho” de um dia para o outro. O mesmo raciocínio vale para a voz. Procure um bom vocal coach e persista nos estudos!
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