Yodel: quando a quebra vocal se torna um ornamento

Todos nós temos um “instrumento musical” interno muito bem aparelhado muscularmente e capaz de desenvolver muitas habilidades. Uma delas é o yodel.

Trata-se de uma técnica bastante interessante para ornamentar o seu canto. Mas o que é o “yodel”, afinal, e como executá-lo?

É o que iremos elucidar ao longo desse artigo.

Conceito de yodel

cantora concentrada enquando se apresenta no microfone

Quando aprendemos a cantar, o ideal é realizar uma rotina diária de exercícios, que permita à musculatura laríngea intrínseca estar bem “malhada” e preparada para executar as melodias de forma saudável.

E muitos desses exercícios são voltados à supressão das chamadas “quebras vocais”. Ou seja, a ideia é condicionar os músculos de maneira que a passagem de um registro para o outro seja suave e imperceptível a quem está ouvindo.

Já falamos um pouco sobre isso no artigo sobre registros vocais. É importante ao cantor transitar entre o grave e o agudo tranquilamente, sem alterações abruptas, as quais podem resultar, inclusive, em desafinação.

E onde entra o yodel nessa história?

Pois então: o yodel consiste justamente em fazer uma quebra vocal de maneira intencional.

Tal quebra pode ocorrer entre um registro e outro, ou até com a mesma nota, quando transita de firme para soprosa.

Outra possibilidade é que isso aconteça entre notas diferentes de um mesmo registro. Só que, em qualquer desses casos, o efeito deve ser proposital, e não uma falha do cantor.

Você deve então estar se perguntando: mas como um intérprete que dedica um tempo diário com exercícios para dar um fim às quebras, agora irá fazer isso intencionalmente?

Calma! Não estranhe. Esse recurso nada mais é que um tipo de ornamento, uma estratégia para refinar o canto.

O mais comum no yodel é o cantor passar do registro denso (ou “voz de peito”) para o falsete (voz aguda e soprosa) de forma rápida, com quebra perceptível.

Mas, como dissemos, existem outras transições na voz que também caracterizam a técnica.

Fisiologicamente, neste caso específico, ocorre o seguinte: no momento de entoar a nota grave, é acionado o músculo tireoaritenoideo interno (TA), responsável pelo encurtamento e maior densidade das pregas vocais.

Entretanto, logo após, esse músculo é “desligado” bruscamente, para dar lugar ao músculo responsável pelas notas agudas e estiramento das pregas, o cricotireoideo (CT).

Como esse processo é feito de maneira consciente e proposital, com fins de ornamento, o resultado pode ficar muito bom, esteticamente.

Porém, não vale abusar! Esse conhecimento deve ser usado com parcimônia. E lembre-se: assim como toda técnica no canto, o yodel exige um bom domínio muscular, para que não haja descontrole ou desafinação.

Origens do yodel

casal de pessoas praticando yodel

O yodel ou yodeling é conhecido tradicionalmente como o “canto dos Alpes” ou “canto tirolês”. Surgiu como uma forma dos pastores europeus chamarem e conduzirem seus rebanhos no campo.

A região de Tirol é um dos lugares onde esse tipo de canto é mais presente. Inclui o Estado de Tirol, na Áustria, e a província italiana Tirol do Sul. A Suíça e a Alemanha, principalmente na região da Bavária, também guardam essa tradição.

Curiosamente, o longa-metragem “A Noviça Rebelde”, cuja parte das filmagens foi feita nos Alpes, traz uma música com as características do yodeling: “The Lonely Goatherd”, composta por Rodgers e Hammerstein.

No filme, a personagem Maria (Julie Andrews) entoa a canção com os filhos do capitão Von Trapp (Christopher Plummer), durante um show de marionetes. O trecho “lay ee odl lay ee odl lay hee hoo” é um exemplo típico do uso do yodel enquanto técnica.

Nos Estados Unidos a tradição do yodeling chegou por volta do século XIX, por influência dos imigrantes alemães. Mas logo se mesclou com culturas de imigrantes de outros países e foi abarcado principalmente pela música country.

Já no Brasil o yodeling se tornou mais presente na Região Sul, onde foram radicadas as colônias alemãs.

Experts do yodel

Historicamente, o cantor alemão Franzl Lang é o yodeler mais icônico na utilização desse recurso vocal, a ponto de ser conhecido como o “Rei do Yodel”. 

Além de ter gravado várias canções, ele escreveu livros sobre o tema, dando dicas de como fazer esse efeito na música. Em sua carreira, ganhou 20 discos de ouro e um de platina pela indústria fonográfica alemã.

Confira, agora, a incrível habilidade de Lang na execução da técnica, ouvindo as canções a seguir em seu streaming favorito:

  • Einen Jodler hör i gern
  • Auf und auf voll lebenslust
  • Kufsteiner Lied
  • Komm mit in die Berge
Einen Jodler hör i gern

Outro nome que se destacou como yodeler foi a cantora norte-americana Taylor Ware. E isto ocorreu recentemente, nas duas últimas décadas.

Aos 7 anos de idade, em 2001, Taylor aprendeu yodel sozinha, utilizando apenas uma fita de áudio e um livro.

Mas seu talento despontou mundialmente ao participar, aos 11 anos, do programa America’s Got Talent, chegando a figurar entre os três finalistas da competição.

Ao longo de sua carreira, já lançou dois álbuns: “Taylor Ware” e “America’s Yodeling Sweetheart”.

O yodel na música popular

Perceba que, na música folclórica tirolesa, o yodel não é só um mero recurso, mas a característica principal desse tipo de canção.

Já na música popular que ouvimos no dia a dia, o yodel deixa de ser um protagonista para se tornar mais um entre tantos ornamentos existentes no canto.

Fica a critério do intérprete utilizá-lo ou não. E normalmente isso é feito apenas em momentos específicos, assim como acontece com melismas e apogiaturas, por exemplo.

As canções populares que listamos abaixo traz alguns pequenos trechos com yodel. Experimente escutá-las tentando identificar o uso da técnica:

  • Coldplay – Yellow
  • Alanis Morissette – You Learn
  • The Cranberries – Dreams
  • Ed Sheeran – Perfect
  • U2 – With or Without You
Coldplay – Yellow

Exercícios para execução do yodel

Agora que você aprendeu o que é yodel, vamos praticar? Não se preocupe em se tornar um Franzl Lang ou uma Taylor Ware. Para isso, são necessários muitos anos de treino.

Por enquanto, vamos pensar no mais simples. Depois, com a ajudinha de um vocal coach e até de um fonoaudiólogo, quem sabe você não se torna um hábil cantor tirolês? Aí vão as dicas:

  • Faça saltos de oitavas ou dentro de uma mesma escala. Para isso, cante uma nota qualquer e vá imediatamente para uma oitava acima.

    Ou parta para uma outra nota aguda, contanto que esteja na mesma escala. Tente executar essa passagem com uma pequena quebra. Mas cuidado para não desafinar!
  • Cante uma melodia que você conhece e encontre trechos para fazer yodel. Sim, é possível fazer esse tipo de improviso com suas músicas favoritas.

    Só não saia da harmonia proposta para a canção. Experimente. Se você desafinar no início, não se preocupe: tente novamente. 
  • Num mesmo registro vocal, coloque firmeza e soprosidade. Em vez de fazer uma troca do grave para o agudo, experimente se manter somente no grave, mas alternando as notas com quebra entre elas.

    A primeira nota deve soar mais firme, com as pregas vocais bem juntas. Já a segunda deve sair com soprosidade, com as pregas ligeiramente abertas. É um pouco difícil de executar, mas vale a máxima: “A prática leva à perfeição”.
  • Vá do agudo para o grave com quebra. A ideia, aqui, portanto, é fazer um yodel descendente. Intérpretes de R&B utilizam muito esse recurso e mesclam com melismas. Também exige muita prática para uma boa execução.

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *