Vocal gutural: a técnica mais arrepiante dos cantores de heavy metal

Uma voz áspera e rouca pode parecer, a princípio, um tipo de disfunção. Mas, na música, essas e outras características fazem parte de um tipo peculiar de técnica: o vocal gutural.

Trata-se de uma modalidade de “drive”, ou seja, uma distorção vocal comumente usada em gêneros como o black metal, death metal, deathcore, hardcore, metalcore, hardcore, punk e gothic metal.

Assim como o vocal screamo – sobre o qual já falamos aqui nesse blog –, o vocal gutural soa como algo agressivo ao ouvinte, além de trazer muita crepitância ou trepidação. Esta, aliás, é uma característica comum a todos os drives.

Entretanto, o que diferencia fundamentalmente um do outro, é que o vocal gutural não é definido necessariamente pelos gritos ou notas muito agudas, como é o caso do screamo. São mais frequentes os sons graves, “rasgados” e profundos, que lembram de certa forma um rosnado, um urro ou grunhido.

E para conhecermos um pouco mais sobre essa técnica, iremos, a seguir, dar uma pincelada nas origens do vocal gutural, citar bandas que utilizam o recurso e levantar uma polêmica: essa técnica é prejudicial às pregas vocais?

É o que veremos e descobriremos juntos ao longo desse artigo. Fique com a gente!

Growl e grunt: outras denominações para o vocal gutural

Cantor atuando com um microfone antigo

O termo gutural vem do latim “guttur”, que significa “garganta”. Já a técnica do vocal gutural pode receber outras denominações, como “growl” – traduzido como “rugir” ou “rosnar” – ou “grunt” (grunhido).

No artigo “A voz gutural e o death metal: regularidades estereotípicas na constituição de possíveis ethé”, o autor Lucas Martins Gama Khalil afirma que o vocal gutural está presente nos gêneros mais “extremos” do rock, a exemplo do death metal.

Segundo ele, o tipo de sonoridade produzida conecta-se muito bem aos próprios temas abordados no estilo, como violência, guerra, demônios, entre outros. “A voz gutural soa, assim como os instrumentos de corda, com um aspecto distorcido, devido ao modo de articulação empregado”, analisa o autor.

E acrescenta: “Os vocalistas, ao empregarem a voz gutural, encurtam a passagem do ar pela garganta, gerando um som ruidoso e rouco a uma baixa frequência”.

Fisiologicamente, durante a produção do vocal gutural, podem ocorrer duas situações:

  • Efeito “grunt”: as pregas vocais ficam abertas para a passagem de ar e são acionadas as pregas vestibulares – conhecidas também como “pregas vocais falsas” e localizadas sobre as pregas vocais, com efeito protetor.
  • Efeito “growl” – São acionadas tanto as pregas vocais quanto as pregas vestibulares.

Aspectos históricos do vocal gutural

Apesar de ser bastante característico das vertentes musicais ligadas ao heavy metal, o vocal gutural não surgiu com o rock pesado. Na realidade, há registros muito mais antigos, de vários séculos, do uso desse efeito sonoro.

Os vikings na Dinamarca já produziam canções utilizando esse jeito peculiar de canto, segundo relatos do comerciante judeu Sefardi Abraham ben Jacob, no século X.

Até mesmo na peça “Ordo Virtutum”, da teóloga, compositora e monja beneditina Hildegard von Bingen, no século XII, encontramos o emprego do vocal gutural. O ator responsável por interpretar o papel do demônio tinha de utilizar uma voz semelhante a um rosnado durante sua performance. Esse recurso vocal era denominado por Hildegard como “strepitus diaboli”.

Já na música popular, o primeiro registro do uso dessa técnica se deu somente no século XX, nos anos 60, com a canção “Boris The Spider”. O vocalista da banda The Who, Roger Daltrey, utilizou o vocal gutural apenas em alguns trechos da composição.

Porém, o uso ostensivo dessa forma de cantar parece ter se dado realmente com o surgimento do death metal, um subgênero do heavy metal. Destacam-se como precursoras do estilo e do uso dessa técnica vocal bandas como Death, Necrophagia e Possessed.

Outras bandas que utilizam o vocal gutural

Banda de música tocando enquanto o vocalista executa a técnica vocal gutural

Existem outros grupos musicais que se notabilizaram pelo uso do vocal gutural, incluindo aqueles com vocalistas femininas. Veja alguns exemplos:

  • Sepultura – Esta famosa banda brasileira de heavy metal surgiu em 1984, sendo uma das boas referências no uso do vocal gutural. Tanto Max Cavalera, que assumiu os vocais do grupo em 1985, quanto o norte-americano Derrick Green, agora à frente do Sepultura, empregam a técnica com perfeição.
  • Cannibal Corpse – Esta banda norte-americana de death metal surgida em 1988, em Buffalo, obteve a expressiva marca de 2 milhões de discos vendidos em 2015. Por esta razão, é o grupo de death metal mais bem-sucedido comercialmente. Seu primeiro vocalista, Chris Barnes, notabilizou-se pelo desenvolvimento de uma voz gutural bastante sombria, tornando-se sua marca registrada como intérprete.
  • Depised Icon – Banda canadense de deathcore formada em 2002, que traz em sua composição dois vocalistas: Alexandre Erian e Steve Marois. Em suas músicas é possível perceber tanto a técnica do vocal screamo quanto do vocal gutural.
  • Arch Enemy – Banda sueca formada em 1995, a Arch Enemy tem como diferencial a presença de mulheres nos vocais, o que é algo incomum em grupos de death metal. A primeira vocalista foi Angela Gossow, seguida de Alissa White-Gluz. Ambas estão entre as raras cantoras bem-sucedidas no universo do heavy metal a se especializarem no vocal gutural.

Variações do vocal gutural

A técnica do vocal gutural traz variações. Uma delas, para alguns teóricos, seria o fry screaming ou vocal screamo, mas muitos consideram como uma técnica à parte devido a diferenças fundamentais, como a forma de projetar a voz e o uso de outras estruturas no aparelho vocal. Então, citaremos aqui apenas duas vertentes da voz gutural:

  • Death growl – Seria o vocal gutural “raiz”, com todas as características de “rosnado” e agressividade típicos dessa técnica. Bastante utilizado no death metal e deathcore, tendo como uma das referências a banda Cannibal Corpse.
  • Pig squeal – Pode ser uma variante tanto do vocal screamo quanto do vocal gutural. Como o próprio nome diz, o som se assemelha a “guinchos de porco”, bem rasgado e agudo. Essa técnica é muito utilizada por bandas de grindcore, coregrind e deathcore, a exemplo do grupo Despised Icon.

O vocal gutural pode ser prejudicial às pregas vocais?

As distorções vocais sempre foram objeto de polêmica, quanto ao seu suposto potencial de danificar as pregas vocais. E com o vocal gutural não é diferente, até pelo fato de trazer um efeito sonoro carregado de aspereza.

Porém, há muito preconceito e desinformação sobre esse assunto, talvez oriundo de um conhecimento superficial e “achismos”.

A verdade é que se o cantor estiver com a saúde vocal em dia e executar a técnica corretamente, com acompanhamento de um professor habilitado no tema, não há o que temer.

O problema é quando a pessoa se aventura a imitar seus artistas favoritos sem saber o método adequado. Neste caso, o resultado pode ser desastroso, como mostra uma matéria publicada no jornal online holandês Nederlands Dagblads, em 2007.

Segundo relata o texto jornalístico, o fonoaudiólogo Piet Kooijman, da Radboud University Medical Center, em Nijmegen, mostra-se preocupado com a crescente popularidade do “grunt” entre os jovens. “Espero um influxo de novos pacientes”, alerta. “Muitos começam sem treinamento. As reclamações só vêm depois de alguns meses”.

Em contrapartida, temos um grande exemplo de quem faz o uso saudável do vocal gutural: trata-se do vocalista da banda Sepultura, Derrick Green.

Em entrevista ao site “Onstage”, ele afirma que jamais teve de cancelar um show por conta de problemas na voz. Além de utilizar bem a técnica, Derrick evita o álcool e o cigarro, mantendo uma performance vocal invejável.

Portanto, a técnica correta, aliada aos bons hábitos, é o segredo para se fazer o vocal gutural sem qualquer prejuízo à saúde vocal.

Por fim, não custa lembrar: busque sempre a ajuda de um professor ou vocal coach, combinado? Até a próxima!

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

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