Ouvido absoluto: uma habilidade rara

Imagine ouvir um som e, de cara, identificar a nota exata, sem pestanejar. Você saberia fazer isso? Essa habilidade é típica de pessoas com ouvido absoluto.

Para entender um pouco sobre como isso acontece, imagine uma cor. Você vê e imediatamente consegue nomeá-la, certo?

Com o ouvido absoluto acontece algo parecido.

É como se o sujeito “enxergasse” a nota, assim como vê uma cor. E essa “cor” pode ser um La sustenido, um Re bemol, um Mi… Tudo depende da frequência que está sendo emitida e percebida pelo indivíduo.

Muita gente adoraria ter essa ter essa percepção bem aguçada. Porém, é um talento presente em poucos privilegiados.

Classificações e critérios na definição do ouvido absoluto

imagem montada para representar ouvido absoluto. Homem com o rosto sendo uma orelha gigante com diversas notas musicais saindo da orelha.

O chamado ouvido absoluto pode ser definido como a capacidade de identificar ou produzir notas sem qualquer referência externa.

Há, inclusive, quem classifique essa habilidade em dois subtipos. Neste caso, haveria, então, o ouvido passivo, em que o sujeito escuta o som e já sabe nomeá-lo.

Já o ativo, ao ser solicitado que cante, por exemplo, um Sol sustenido, consegue entoá-lo de forma exata, mesmo não tendo escutado a nota previamente.

Porém, segundo Nayana Di Giuseppe Germano, em seu artigo “Ouvido absoluto: em busca de um modelo testável”, existem teóricos que se valem de critérios bem mais específicos acerca do tema, os quais ainda não são consenso entre estudiosos.

É o caso, por exemplo, do tempo necessário para um indivíduo reconhecer a nota. Esse reconhecimento deve ser imediato ou não? Erros de meio tom são considerados ou não? Ou é possível relevar esses possíveis erros se o sujeito for de idade mais avançada?

Por conta dessas e outras especificidades, é fundamental, de acordo com a autora, definir indicadores padronizados que determinem, com precisão, os indivíduos que realmente possuem ouvido absoluto.

Seria interessante, nesse sentido, promover a construção de um modelo teórico que possa embasar os futuros estudos a respeito do tema.

Para isso, alguns questionamentos são propostos, como, por exemplo, qual a porcentagem de respostas corretas que um sujeito deve obter, para ser considerado um portador de ouvido absoluto; ou se essa pessoa deve ser capaz de identificar alturas em qualquer timbre, entre outras questões.

Ouvido absoluto x ouvido relativo

grupo de pessoas assentadas em uma sala cantando enquanto um rapaz toca violão.

Apesar do tema suscitar dúvidas entre estudiosos, sabe-se que o ouvido absoluto difere-se do ouvido relativo. Este é caracterizado pela percepção exata da nota tocada, contanto que haja outra como suporte para identificação.

A grande maioria dos músicos possui ouvido relativo, o qual depende não só de habilidades inatas, mas, principalmente, de conhecimento musical prévio, para estabelecer comparações.

Já quem tem ouvido absoluto, é capaz de nomear, a princípio, qualquer estímulo sonoro sem auxílio externo. E esse som não precisa vir necessariamente de um instrumento musical. Pode ser até o tilintar de um talher batendo num copo.

Parece estranho, não é? Mas objetos e elementos simples também podem produzir notas musicais. Basta observar o trabalho de músicos como Hermeto Pascoal, que faz música com qualquer coisa, até com água, pedaços de ferro e brinquedos.

Músicos com ouvido absoluto

Aliás, Hermeto é um dos exemplos de músicos dotados de ouvido absoluto.

Outros famosos também entram nessa lista, como João Gilberto, Michael Jackson, Stevie Wonder e Tim Maia.

Da música erudita, podemos citar Ludwig van Beethoven e Wolfgang Amadeus Mozart.

Sobre o ilustre compositor austríaco, cabe, aqui, uma história curiosa. Antes dele sair em turnê pela Europa, aos 7 anos de idade, o jornal Augsburgischer Intelligenz-Zettel publicou uma carta anônima, a qual dizia que Mozart era capaz de identificar as notas em quaisquer alturas, vindas de todo tipo de instrumento musical, ou mesmo de um sino ou relógio de bolso.

Maior prevalência entre asiáticos

Criança asiática cantando com braços abertos sorrindo e bem espontânea. Segundo pesquisas ouvido absoluto tem maior incidência entre pessoas asiáticas.

Infelizmente, essa incrível capacidade é rara na população. Estima-se que uma em cada 10 mil pessoas tenham ouvido absoluto, sendo essa característica mais prevalente entre músicos com conhecimento formal em teoria e prática musical.

Além disso, há maior incidência dessa habilidade entre asiáticos, mas não se sabe ao certo se isto se deve a uma questão genética, à maior dedicação desses indivíduos aos estudos musicais ou até por conta de seus próprios idiomas.

Mas como assim? Vamos esclarecer: o coreano e o japonês, por exemplo, são línguas tonais. Ou seja, dependendo da entonação ao falar, muda-se o significado de determinado termo.

Essa questão pode estar relacionada ao ouvido absoluto, segundo estudiosos, justamente porque os asiáticos conseguem fazer naturalmente a identificação verbal de frequências tonais.

Pesquisas sobre o tema

Especialistas já tentaram desvendar cientificamente outras diversas nuances e características do ouvido absoluto. E fizeram constatações curiosas.

Em 1998, Siamak Baharloo, Paul A. Johnston, Susan K. Service, Jane Gitschier e Nelson B. Freimer publicaram um importante estudo acerca do tema no The American Journal of Human Genetics, intitulado “Absolute pitch: an approach for identification of genetic and nongenetic components”.

Ao observarem mais de 600 músicos em conservatórios, programas de treinamento e orquestras, os pesquisadores puderam dissecar a influência do aprendizado musical precoce no desenvolvimento do ouvido absoluto.

Entre os participantes do estudo, 40% dos músicos com a habilidade haviam iniciado seu treinamento musical antes ou a partir dos 4 anos de idade. Apenas 3% começaram aos 9 anos ou mais.

Além disso, indivíduos com ouvido absoluto tinham quatro vezes mais propensão de ter alguém em sua família com a mesma habilidade, quando comparados aos que não tinham essa capacidade.

É possível desenvolver ouvido absoluto?

Mulher cantando em microfone.

Muita gente acredita que é, sim, possível desenvolver o ouvido absoluto. Essa tarefa, porém, seria bem menos árdua se a pessoa tivesse feito sua iniciação musical antes dos 4 anos.

Como a grande maioria não está neste seleto grupo dos aprendizes precoces, é preciso correr atrás do “prejuízo” (se é que se pode chamar assim).

Para isso, vale a pena se aprofundar no estudo formal da música. Isto inclui não só o aprendizado de algum instrumento, mas também de teoria, além da prática de muito solfejo.

A dica é dominar as partituras e o arcabouço teórico e prático. A ideia, portanto, é que você possa “ver” as notas tal qual identifica as cores, assim como falamos no início desse texto.

Ter referências externas como apoio, no começo de seus estudos, será inevitável. Músicos com ouvido relativo já fazem desta forma e está tudo bem. 

Tocar um instrumento ajuda muito, nesse aspecto. Se for um violão, por exemplo, o simples ato de afiná-lo ajuda a desenvolver a percepção musical, ainda que você precise de um diapasão como suporte.

Com todo esse esforço e dedicação, você poderá vir a ter uma memória musical da altura das notas. E aí? Vai encarar esse desafio? A gente torce por você!

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

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