Canto gregoriano: a música que toca a alma

Provavelmente, você já deve ter assistido a filmes ambientados na Idade Média, em que monges entoam, no interior de grandes templos, cantos litúrgicos em latim, sem acompanhamento instrumental – ou a capella. Pois bem, esse é o chamado canto gregoriano.

Mesmo hoje, em mosteiros, é possível apreciar esse tipo tradicionalíssimo de música.

E nem é preciso ser religioso, para isso. A beleza desse canto transcende religião e mantém um forte apelo espiritual.

O que é canto gregoriano

Igreja católica antes de começar o canto gregoriano

Segundo definição de Bohumil Med, autor da obra Teoria da Música, canto gregoriano “é o canto litúrgico estabelecido pelo papa São Gregório

Magno no século VI e adotado pela Igreja Católica como canto oficial”. 

Esse pontífice teve uma atuação marcante, no que diz respeito à música na liturgia.

Não há registros de que ele tenha composto algo, mas prestou um grande serviço, ao compilar e organizar diversos cantos litúrgicos existentes pela Europa, para utilizá-los nas celebrações.

Outra marca de seu pontificado foi a reorganização da Schola Cantorum, uma escola de música para formação de religiosos, com o intuito de aprimorar a execução do canto na liturgia.

Características principais do canto gregoriano

Uma característica bastante evidente do canto gregoriano é a monofonia – também chamada de monodia –, que traz melodia uníssona, sem harmonias, ao contrário da polifonia.

Em geral, as canções são executadas em coro, podendo ter momentos de solo.

O importante, no canto gregoriano, é dar ênfase ao conteúdo, ou seja, ao texto.

Há acentuação de palavras específicas, sem preocupação com a definição de um ritmo ou uma batida constante que guie a performance musical.  

Bíblia antiga sobre um púlpito de madeira em igreja antiga

Por ser um tipo de música do rito católico, traz letras baseadas em passagens bíblicas, principalmente os salmos. E a execução sempre foi e continua sendo em latim. A exceção é o Kyrie, cantado em grego.

Pelo fato de priorizar o texto e o canto monofônico, o canto gregoriano não busca exaltar os intérpretes.

Por isso, não há entonações de cunho operístico ou de muito rebuscamento na voz.

O canto gregoriano, na realidade, segue a premissa de Santo Agostinho: “Cantar é orar duas vezes”.

A ênfase está na elevação espiritual, na mensagem da música, e não em quem canta a obra. O objetivo é levar as pessoas a um estado de conexão com Deus.

Estrutura melódica

O canto gregoriano e a música medieval cristã em geral tinham como base melódica tipos de escalas musicais conhecidas como tons salmódicos, também chamados de modos eclesiásticos ou litúrgicos.

Na notação desses modos, a armadura de clave não apresenta acidentes, ou seja, não há bemóis ou sustenidos.

Outro dado que vale destacar é que são escalas diatônicas, as quais são estruturadas em intervalos de um tom ou um semitom.

Além disso, os modos eclesiásticos são sempre ascendentes (saiba mais sobre escalas musicais clicando aqui).

Essas escalas diatônicas medievais eram subdivididas em duas formas: autêntica e plagal.

Na primeira estão os modos dórico, frígio, lídio, mixolídio, eólio e jônico, todos nomes gregos. O dórico, por exemplo, parte do Re localizado logo abaixo da primeira linha (de baixo para cima) da pauta musical, em clave de Sol.

E segue de forma ascendente: Mi, Fa, Sol etc., até chegar em outro Re, uma oitava acima.

Já a plagal é bem similar, com a diferença de que começa uma quarta abaixo. Os modos levam os mesmos nomes, acrescido do prefixo “hipo”.

O dórico, portanto, passa a ser chamado de “hipodórico”.

Em vez de iniciar em Re, a escala começa em La (localizado em linha suplementar inferior da pauta musical) e segue, de maneira ascendente, até outro La uma oitava acima.

Partitura do canto gregoriano

Pauta musical - canto gregoriano

A notação original do canto gregoriano não utiliza o pentagrama nem as figuras musicais como conhecemos hoje.

A pauta musical, neste caso, traz como base um tetragrama (quatro linhas).

Já para grafar a melodia são utilizados os neumas, os quais desempenham um papel semelhante, a grosso modo, ao das colcheias, mas com características próprias.

A ideia do neuma é grafar um ponto para cada sílaba do texto, mas ocorre também de uma única sílaba ter mais de um neuma, ou seja, mais de uma nota.

Quando isto acontece, temos o melisma, um ornamento bastante comum na música e muito utilizado por cantores de vários gêneros musicais.

Outros cantos litúrgicos medievais

Apesar de ter sido declarado como o canto oficial dos ritos católicos, o canto gregoriano não é a única manifestação litúrgica musical da Idade Média.

Na realidade, ele é uma variedade do cantochão, que integra também outros formatos musicais.

Essa denominação se refere a todo tipo de canto monofônico executado durante o período medieval.

Além do canto gregoriano, os cantos moçárabe (da Península Ibérica), ambrosiano (de Milão, na Itália) e beneventano (sul da Itália), entre outros, também são variedades de cantochão.

O ambrosiano, por exemplo, é também conhecido como canto milanês e surgiu por volta do século IV, antes mesmo do canto gregoriano.

O nome remete a Santo Ambrósio, bispo de Milão.

Trata-se do canto litúrgico do rito milanês, apresentando duas classificações quanto à forma: antifonal e responsorial.

No primeiro caso, os versos se alternam entre solista e coro. Já no responsorial, os versos ficam por conta do solista, enquanto o refrão se traduz na resposta do coro ou congregação.

Por que o canto gregoriano se sobressaiu?

Pessoas sorrindo com livros nas mãos dentro de uma igreja

Se existem tantos formatos de canto litúrgico na Idade Média, você deve estar se perguntando: por que o canto gregoriano se sobressaiu?

Para responder a essa pergunta, vamos recorrer ao período histórico de decadência do Império Romano e a transição para a Idade Média.

Foi uma época em que o mundo cristão não se encontrava unificado.

Existiam várias liturgias ou ritos, como o romano e o ambrosiano, a depender do local.

No final do século VI, o Papa Gregório preocupou-se em unificar o Cristianismo, inclusive nos rituais litúrgicos e a música nas celebrações.

Mas foi um processo bastante lento, que se solidificou somente a partir do reinado de Carlos Magno, no século IX.

Na época, Magno conseguiu pacificar e unificar politicamente o Ocidente.

O período, batizado de Renascença Carolíngea, permitiu a difusão do Cristianismo e também do canto gregoriano, que já vinha se estabelecendo de forma predominante desde o Papa Gregório.

Ao longo do tempo, principalmente por volta do século XII, as tradições dos cantos moçárabe, beneventano, romano antigo, céltico e galicano foram substituídas definitivamente pelo canto gregoriano.

Junto a ele, somente o canto ambrosiano permanece até hoje. Se você é um estudioso sobre canto talvez seja interessante fazer um cursos sobre o assunto. Pense nisso, isso pode ser seu futuro hobby ou profissão.

Finalizamos por aqui mais um assunto. Se você gostou deste artigo comente aqui abaixo nos comentários.

Um abraço e até a próxima.

About Luciana Amaral

Luciana Amaral é cantora profissional, jornalista, revisora e redatora freelancer. Já participou de vários cursos de canto, como o Modern Mix Voice, do professor Caio Freire; Solte Seu Belting, do professor André Barroso; Canto Popular, durante o Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília (Civebra); e Congresso Online de Voz Cantada, realizado pela Faculdade Novo Horizonte e pela professora Flávia Caraíbas. https://www.instagram.com/luciana.amaral_cantora/

2 thoughts on “Canto gregoriano: a música que toca a alma

    1. Olá Américo! Muito obrigado pelo seu comentário positivo! Fico feliz em saber que você achou as explicações interessantes e úteis.

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